O 14° Congresso Alemão de Lusitanistas, na Universidade de Leipzig, vai ocorrer em 15 a 19 de setembro de 2021, e tem como tema "Temporalidade(s): Reminiscências, Perceções, projeções".
Uma das sessões de Estudos Literários, com o nome Passados e futuros presentes no Brasil: relações entre tempo e violência na literatura e no cinema, foi proposta pelo Prof. Joachim Michael (Universitat Bielefeld) e pelo Prof. Jaime Ginzburg (DLCV-FFLCH-USP).
Qualquer dúvida, por favor, entrem em contato com os coordenadores pelos e-mails indicados abaixo.
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6. Passados e futuros presentes no Brasil: relações entre tempo e violência na literatura e no cinema
Descrição:
A história de Ponciá Vicêncio, no romance homólogo (2003) de Conceição Evaristo, é de um “sofrimento antigo” que se associa, como a narração mostra, a experiências do avô da personagem, que tinha sido escravo. Essa dor se articula com trajetórias de descendentes de escravos que, embora formalmente livres, não conseguem eliminar um “jugo” que se revela como “eterno”. Mesmo afastada no tempo e no espaço das situações vividas por seu avô, a protagonista não consegue superar a dor. Imagens fantasmagóricas perseguem-na, impedindo que ela esqueça como a escravidão devastava a vida das gerações anteriores. Atormentada, sua própria subjetividade é abalada por uma ausência que desperta estranhamento em suas relações com os próximos, e com ela mesma. Nessa perspectiva, Ponciá Vicêncio expõe um caso de um trauma transgeneracional, com um sofrimento que impregna diversas gerações familiares. Ao expor isso, de forma metonímica, o romance constitui imagens da história do Brasil como uma história traumática, em que o passado da escravidão não se extingue, e se sobrepõe ao presente. Como a escravidão, abolida há mais de um século no Brasil, aparece destruindo existências num período recente, no qual direitos civis são garantidos por leis constitucionais, é importante observar que, em determinadas circunstâncias, como as delimitadas pelo romance de Conceição Evaristo, violência e tempo se relacionam de uma forma específica: a ordem sucessiva do tempo suspende-se, e a devastação estabelece uma continuidade, que se desprende das circunstâncias históricas de eventos com atos violentos, e alcança períodos posteriores a essas ocorrências.
Outro exemplo é o romance K. Relato de uma busca (2011) de Bernardo Kucinski. O livro apresenta duas desgraças: a de uma mulher, A., desaparecida pelo grupo do Delegado Fleury durante a ditadura militar (1964-1985), e a de seu pai, K., que incansavelmente busca sua filha. Os obstáculos para esclarecer o desaparecimento de A. causam sofrimento constante na vida de K., durante anos de tormentos. A ideia de que, neste caso, a violência se estende no tempo, mesmo décadas após os atos de agressão, é reforçada pela narração, que deixa entrever que também a vida do narrador, irmão de A., é afetada no presente em que ele conta a história (no ano de 2010).
Ambos os textos apresentam processos de longa duração, caracterizados por intensa violência na história do Brasil – a escravidão em Evaristo, e a ditadura militar em Kucinski. Nas duas obras, os protagonistas são atormentados por episódios de violência ocorridos no passado. As narrativas não se restringem a expor traumas individuais; ambas expõem que estruturas sociais reproduzem a violência do passado no presente. De acordo com essa perspectiva, grupos da elite econômica brasileira, na história recente do país, tratam descendentes de escravos de modos desumanos, que lembram a servidão no sistema escravista, e grupos da elite política exercem de modo autoritário práticas que remontam à repressão ditadura militar, incluindo uma constante persistência em não respeitar o suplício dos familiares de desaparecidos.
As imagens do futuro do país, em algumas obras recentes de literatura e cinema, incluem construções de distopias nas quais a violência, provocada ou legitimada pelo Estado, constitui o horizonte das relações sociais. Bacurau, filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e A nova ordem, livro de Bernardo Kucinski, são exemplos importantes de elaborações estéticas que despertam reflexões a respeito de hipóteses sobre o futuro do país. No filme, a falta de água potável é uma indicação das dificuldades de sobrevivência de uma comunidade. No livro, a aniquilação de intelectuais, na parte inicial, antecipa a extrema repressão do Estado detalhada ao longo da narrativa. Essas imagens do futuro são, ao mesmo tempo, remissões ao passado brasileiro, sendo que, no caso de A nova ordem, o futuro consiste, simultaneamente, em uma continuidade de práticas da ditadura militar e em uma revisitação do próprio ano de publicação do livro, 2019, como uma projeção do futuro sobre o presente.
Estas reflexões sobre as configurações do tempo histórico delimitam o enfoque da presente seção. A memória, o trauma e o testemunho são elementos constitutivos de narrativas que ensaiam maneiras de expressar impactos de desastres históricos passados, entre genocídios e sistemas de torturas. A forma da distopia constitui um horizonte de reflexão sobre o futuro, através de avaliações críticas do passado. Literatura e cinema, de acordo com a hipótese em discussão, propõem articulações entre categorias temporais que subvertem elementos, como linearidade causal e medidas habituais de duração do tempo, em favor de articulações descontínuas do tempo.
A secção será realizada exclusivamente em português.
Página inicial do evento:
https://www.lusitanistentag2021-leipzig.de/pagina-inicial
Página das sessões sobre estudos literários:
https://www.lusitanistentag2021-leipzig.de/pagina-inicial/secoes/estudos-literarios/
Sessão n.6 - Contato(s) - ginzburg@usp.br /
joachim.michael@uni-bielefeld.de
Encaminhamento de propostas
O prazo para a entrega de propostas de comunicação termina no dia 30 de junho de 2021. Por favor, envie o seu resumo (máximo 250 palavras) diretamente aos coordenadores e às coordenadoras da seção. As línguas oficiais do congresso são alemão, português e galego. As descrições das seções encontram-se no menu em “seções”.