A revisitação do mito crístico em “Um moço muito branco”

A revisitação do mito crístico em “Um moço muito branco”


Eduino José Orione1

RESUMO: Este artigo investiga a representação de Jesus Cristo no conto “Um moço muito branco”, de Guimarães Rosa, especialmente na construção da personagem central da obra.  Também são estudados os principais episódios do conto, tidos como eventos milagrosos.  Por fim, procura-se mostrar como o tratamento dessa temática religiosa é bastante ambíguo.

PALAVRAS-CHAVE: Religiosidade popular – cristocentrismo – milagres – Guimarães Rosa

ABSTRACT: This paper investigates the representation of Jesus Christ in the story "Um moço muito branco," by Guimarães Rosa, especially in the construction of the central character of the work. The events are also studied in the principal episodes of the tale, taken as a miraculous event. Finally, it attempts to show how the treatment of religious themes is rather ambiguous.

KEY WORDS: Popular  religiosity - christcentrism - miracles - Guimarães Rosa


Introdução

         Um dos estudos mais iluminadores que a crítica literária brasileira dedicou às narrativas rosianas é o ensaio “Céu, inferno”, no qual Alfredo Bosi aproxima Vidas secas e Primeiras estórias, diferenciando as posturas de Graciliano Ramos e de Guimarães Rosa face às fontes sertanejas.  O ensaísta identifica uma distância entre Graciliano e o sertanejo, decorrente da diferença existencial entre autor e personagem, ainda que compensada por simpatia intelectual.  No autor mineiro, detecta uma empatia com a cultura popular.  Bosi sintetiza essa percepção de forma lapidar:  “separando Graciliano da matéria sertaneja está a mediação ideológica do determinismo; aproximando Guimarães Rosa do seu mundo mineiro está a mediação da religiosidade popular” (2003, p.36).  O resultado disto é que, em algumas narrativas de Primeiras Estórias, encontramos uma resolução dramática distinta daquela que existe em Vidas secas, pois nelas, mesmo nas mais espinhosas situações, “haveria uma ponte de trânsito livre, algum momento, desejado e indeterminado, em que sobrevém a mudança” (BOSI, 2003, p.39).  No sertão rosiano, a necessidade não é definitiva nem imutável.  Prova disso são os contos “Substância”, que narra a triste sina da jovem Maria Exita, compensada pelo casamento final com Sionésio, e “Soroco, sua mãe, sua filha”, cujo epílogo é um exemplo típico de “suplência simbólica e sentimental na cadeia dos acontecimentos”, pois Soroco é acolhido pela cidade após a partida das duas mulheres para o hospício.  Eis como Bosi entende esta mundividência:  “A ordem do transcendente abre horizontes sem fim e, no devir da fantasia, alguma coisa sempre pode acontecer” (2003, p.37).
Tais idéias resultam de um projeto crítico muito bem realizado no que tange às Primeiras estórias.  Sem o mesmo brilhantismo, a maior parte dos demais estudos que a crítica brasileira tem dedicado ao livro apresenta uma recorrente abordagem de teor místico-religioso, que identifica na totalidade da obra um apelo constante à transcendência (abertura ao mágico, ao maravilhoso, ao sobrenatural...).  Esta abordagem se revela, por vezes, muito tendenciosa e parcial, e pouca atenta à ambiguidade e à singularidade de cada uma das narrativas em particular.
  Para vermos como essa aproximação da ordem do transcendente não se dá de modo imediato na obra de Rosa, passamos a ler com vagar um dos contos mais belos da antologia, no qual a temática religiosa é central.  “Um moço muito branco” narra uma série de eventos prodigiosos que ocorreram no interior de Minas Gerais no final do século XIX, após um grave acidente natural (terremoto e enchente) que desfigurou a paisagem da região, matou muitas pessoas e inúmeros animais, além de causar um enorme prejuízo à população.  Ao cataclismo sucede a aparição surpreendente de um estranho personagem, que será o agente de alguns prodígios.  Os fatos ligados a este homem têm a dimensão de autênticos milagres, pois como tais são vistos pelo povo.  O conto é um dos textos rosianos nos quais a religiosidade é tratada de modo mais direto, constituindo o motor dramático do enredo.  Sendo assim, é uma obra útil para medirmos o alcance da relação entre Guimarães Rosa e a religiosidade popular, e tentarmos ver se a presença do transcendente, em Primeiras estórias, tão apregoada pela crítica, é encontrada neste texto em particular.  Mais pontualmente, buscamos dialogar com o ensaio de Bosi, o melhor já escrito sobre a questão, para vermos se em “Um moço muito branco” é possível reconhecer uma aproximação entre o autor e a matéria narrada, em termos de uma mediação religiosa.  Pensamos que esta hipótese não se confirma.  Encontramos no conto, ao contrário, uma mediação antropológica, indicadora de um distanciamento do Rosa face à religiosidade popular.  Tentaremos mostrar que o autor toma distância da matéria religiosa ao gerar ambiguidades por meio da articulação formal da narrativa.
Nossa análise está dividida em três momentos.  No primeiro, fazemos uma leitura detalhada das categorias narrativas:  personagens (com ênfase no protagonista), ações, enredo e espaço, bem como o estatuto da voz narradora.  No segundo, apontamos como tais categorias contêm, graças à forma com que são estruturadas, ambiguidades que relativizam a feição milagrosa dos episódios centrais.  No terceiro, mostramos como o teor religioso do texto é discutível.  O protagonista é uma figura cristocêntrica, fruto de uma revisitação do mito crístico, na qual, porém, o escritor mostra o mito como mito.  É este procedimento ficcional que nos leva à hipótese de uma mediação antropológica, que separa Guimarães Rosa das crenças populares, ainda que indique uma proximidade afetiva da cultura popular.

1. Análise das categorias narrativas

O primeiro parágrafo do conto tem a intenção de registrar de modo verídico uma catástrofe natural.  Basta ler a frase que abre o texto:  “Na noite de 11 de setembro de 1872, na comarca do Serro Frio, em Minas Gerais, deram-se fatos de pavoroso suceder, referidos nas folhas da época e exarados nas Efemérides”2 .  Segue-se a descrição do cataclismo:  “um fenômeno luminoso se projetou no espaço, seguido de estrondos, e a terra se abalou, num terremoto que sacudiu os altos, quebrou e entulhou casas, remexeu vales, matou gente sem conta” (p.99).  Além do terremoto, houve uma “assombrosa e jamais vista inundação” (p.99).  A consequência foi que “a muita criatura e criação pereceu, soterradas ou afogadas.  Outros vagavam ao deus-dar, nem sabendo mais, no avesso, os caminhos de outrora” (p.99).  Esta tragédia de grandes proporções é uma experiência traumática vivida pela população local, e deixa a todos perplexos e sensibilizados.  O terremoto seguido de enchente assume a feição de um autêntico fim dos tempos.  O cataclismo tem feição apocalíptica, tanto que a população passa vivenciar um “pós-tempo de calamidade” (p.100).
 
1.1 O protagonista:  o moço muito branco

A personagem que dá título ao conto é o eixo ao redor do qual giram todos os eventos e todas as demais personagens.  A narrativa é centrada nesta estranha figura.  O moço muito branco aparece na região uma semana após o devastador acidente natural, tanto que logo é recebido como uma de suas inúmeras vítimas:  “era moço de distintas formas, mas em lástimas de condições (...) enrolado em pano, espécie de manta de cobrir cavalos” (p.99).  Nele, chama a atenção o modo de se comportar – “o moço, pasmo” (p.99).  Porém, o que mais causa espanto é seu o aspecto físico:  “Tão branco; mas não branquicelo, senão que de um branco leve, semidourado de luz:  figurando ter por dentro da pele uma segunda claridade” (p.99).  Tal brancura não é racial ou signo de alguma etnia:  “fazia para si outra raça” (p.99-100).  Por isto, é sempre digna de admiração, como mostram todos os trechos que descrevem o moço, “claro como o olho do sol” (p.104), cuja brancura impressiona as pessoas:  “a gente espiava, e pensava num logo luar” (p.103).  As demais características físicas reforçam a distinção deste homem, a quem ninguém se assemelha.  Não foi possível reconhecer-lhe origem e parentesco.  Ele é “o filho de nenhum homem” (p.100).  Fisicamente, portanto, destacam-se a “brancura da tez e delicadezas mais” (p.102), dentre elas as “mãos não calejadas, alvas e finas, de homem-de-palácio” (p.102).  Já o seu comportamento, marcado por atitudes muito serenas, é próprio de um espírito contemplativo. 
A população, penalizada, condoeu-se dele.  Via-se que “passara por desgraça extraordinária:  perdida a completa memória de si, sua pessoa, além da fala” (p.100).  Mas ainda que tenha perdido a memória e a fala, não era doente mental:  “Tonto, não era.  Só aquela intenção sonhosa, o certo cansaço do ar” (p.100).  A feição contemplativa leva aos hábitos solitários:  “Ele andava muito na lua (...) praticando aquela liberdade vaporosa e o espírito de solidão” (p.102).  Sinais de inteligência eram o costume de prestar atenção a tudo:  “assaz observava (...) espreitasse por miúdo os vezos de coisas e pessoas” (p.100).  Praticava exercícios intelectuais, tais como lidar com “funções de engenhos, ferramentas e máquinas, ao que se prestava, fazendo muitas invenções e desembaraçando as ocasiões, ladino, cuidoso e acordado” (p.102).  No mais, gostava mesmo era de apreciar o céu, “de olhar ele sempre para cima, o mesmo para o dia que para a noite – espiador de estrelas” (p.102-103).  Alegrava-se com o “divertimento de acender fogos, sendo de reparo o quanto se influiu, pelo São João, nas tantas e tamanhas fogueiras de festa” (p.103).       
Tal retrato se completa na importante passagem em que o moço é levado à igreja.  Estando lá, “portou-se, não fez modos de crer nem increr” (p.121).  Porém, não ficou indiferente a tudo que encontrou:  “Cantoria e músicas do coro, escutasse, no sério sentimental” (p.101).  Chega mesmo a mostrar-se comovido, manifestando, não tristeza, mas “como se conseguisse, em si, mais saudade que as demais pessoas, saudade inteirada (...) que por tanto se apurava num maior alegria – coração de cão com dono” (p.101).  O mais relevante nesta passagem é a impressão que ele causa em Padre Bayão.  Este o descreve, “em carta de punho e firma, para testemunho do esquisito, ao cônego Lessa Cadaval, da Sé de Mariana” (p.101), nos seguintes termos:  “Comparados com ele, nós todos, comuns, temos os semblantes duros e o aspecto da má fadiga constante” (p.101).  Como se vê, aquilo que o distingue é, além da brancura, a placidez, sintetizada na expressão “o moço, plácido”, que aparece mais adiante no texto (p.104).  Fora isso, há que se destacar a reação dele ao ouvir música e “cantoria”, às quais não fica insensível:  “Sorrindo mais com o rosto, senão com os olhos; suposto que nunca se lhe viram os dentes” (p.101).  Eis-nos, então, diante de uma figura incomum, cuja feição excepcional é quase alienígena:  “contam que seus olhos eram cor-de-rosa!” (p.101).

Os demais personagens

Dentre os personagens, destacam-se os que tiveram um contato próximo e direto com o protagonista.  O primeiro é Hilário Cordeiro, que o acolheu na Fazenda do Casco, “quase dentro da rua do Arraial do Oratório” (p.99), quando, passada uma semana dos terríveis acontecimentos, o moço apareceu no “dia de São Félix, confessor” (p.99).  O segundo é Duarte Dias, que não gostou do moço.  A explicação para tal antipatia é que, enquanto Hilário era “homem cordial para os pobres, temente e bom” (p.100), Duarte era “homem de gênio forte, além de maligno e injusto, sobre prepotências:  naquele coração não caía nunca uma chuvinha” (p.100-101).  A terceira é Viviana, filha de Duarte Dias, muito bela e muito triste:  “a moça Viviana a mais formosa, tinha-se para admirar que a beleza do feitio lhe não servisse para transformar, no interior, a própria e vagarosa tristeza” (p.103).
Também dignos de menção são o cego Nicolau, “pedidor”, e o negro José Kakende, “escravo meio alforriado de um músico sem juízo, e ele próprio de idéia conturbada; por último, então, delirado varrido” (p.100), que será tido como o melhor amigo do moço muito branco.  A loucura de Kakende se explicita quando ele passa a testemunhar uma “aparição que teria enxergado, nas margens do Rio do Peixe, na véspera das catástrofes” (p.100).  Tal visão levava-o “a pronunciar advertências e desorbitadas sandices”, que impressionaram até o Padre Bayão, o qual, na carta ao cônego, além da placidez do moço, registrou aquilo que o negro garante ter visto:  entre nuvens e fogo, o aparecimento de “uma artimanha amarelo-escura, avoante trem, chato e redondo, com redoma de vidro sobreposta, azulosa” (p.101), e da qual, uma vez pousada, “desceram os Arcanjos” (p.101).  Segundo o “delirado varrido”, o cataclismo e a chegada do moço são correlatos, e devidos à vinda de seres de outro mundo (“Arcanjos”), que chegaram à Terra em um disco voador (“avoante trem”). 

1.3 As ações do enredo: os prodígios

           Dentre os episódios que transformam a vida do Serro Frio após a chegada do moço muito branco, destacam-se:  1) a prosperidade de Hilário Cordeiro; 2) a semente entregue ao cego Nicolau, da qual nasce uma árvore de extrema beleza; 3) o encontro do moço com Viviana; 4) a transformação da índole de Duarte Dias, seguida da descoberta de um tesouro em suas terras.  O conto termina com a partida misteriosa do moço, que José Kakende garante ter testemunhado, deixando desolados os que com ele conviveram. Ainda que o texto não contenha a palavra “milagre, os eventos são percebidos pela população como milagrosos.  Entretanto, a forma como os episódios são articulados não confirma tal caracterização, e sugere que, neste conto, o autor se distancia da religiosidade popular.
           O primeiro prodígio é a prosperidade de Hilário Cordeiro, iniciada depois que acolhe o moço em sua casa, “num extrato de desvelo, como se o vero pai dele fosse” (p.101).  O fazendeiro se apega tanto ao rapaz, que chega a brigar com Duarte Dias na ocasião em que este cismou de levá-lo consigo, afirmando que devia ser um de seus parentes perdidos após o cataclismo.  Tal atitude impressionou a todos por partir daquele que o rejeitara desde o começo, e só pôde ser explicada pela inveja que Duarte sentiu de Hilário quando este “passou a dar sorte, quer na saúde e paz, em sua casa, seja no assaz prosperar dos negócios” (p.102).  Obviamente, estes benefícios são atribuídos ao moço muito branco.    
           O segundo é o “caso da moça Viviana, sempre mal contado”, certamente o episódio mais bonito do conto.  Em dada ocasião, o moço foi até a fazenda de Duarte Dias e lá se deparou com a moça, “mui bonita”.  Ao vê-la, “ele se chegou muito a ela, gentil e espantoso, lhe pôs a palma da mão no seio, delicadamente” (p.103).  O pai teve uma reação irada diante daquilo que tomou como ofensa, exigindo que o moço se casasse com a filha, que ele “infamara” (p.103).  Mas todos conseguem acalmá-lo, inclusive Viviana, que, “com radiosos sorrisos, o serenava” (p.103).  Nota-se, então, algo surpreendente na moça, pois ela, que sempre foi muito triste, “a partir dessa hora, despertou em si um enfim de alegria, para todo o restante de sua vida, donde um dom” (p.103).
           Em seguida, houve uma surpresa ainda maior que a transformação de Viviana, que recuperou a sua alegria após o moço muito branco ter-lhe, “delicadamente”, tocado o seio.  Motivo de maior “estupefacção” foi o terceiro prodígio, ocorrido “no dia da missa da Dedicação de Nossa Senhora das Neves e vigília da Transfiguração, 5 de agosto” (p.103).  Nesta data, Duarte Dias veio à fazenda de Hilário Cordeiro, e clamou que o deixassem “levar o moço, para sua casa” (p.103), garantindo não visar prosperidade às custas do rapaz.  Queria-o ter em sua companhia “por a ele ter cobrado, com contrições de escrúpulo, a fortíssima estima de afeição!” (p.103).  Enquanto declarava isto, “dos olhos lhe corriam bastas lágrimas” (p.103).  Tal cena é o testemunho de uma autêntica conversão.  Duarte Dias, “maligno e injusto”, em cujo coração “não caía nunca uma chuvinha” (p.03-104), viu-se transformado “em homem sucinto, virtuoso e bondoso” (p.104).  Este fato excepcional foi testemunhado por toda a população, “consoante o asseverar sobremaravilhado dos coevos” (p.104).  O coroamento desta conversão é a passagem em que o moço conduz Duarte de volta à sua fazenda, e, na “tapera de uma olaria”, indicou o lugar a ser cavado, e “se achou, ali, uma grupiara de diamantes; ou um panelão de dinheiro, segundo diversa tradição” (p.104).  Todavia, o que mais impressiona não é reação de Duarte Dias, que “pensou que ia virar riquíssimo” (p. 104), e sim a sua transformação de “maligno” em “bom”.  O moço tocou o corpo de Viviana e a alma de Duarte Dias.
           O episódio do cego Nicolau é a pedra de toque das ambiguidades do conto.  Apesar de ser o primeiro prodígio relatado no texto, foi o último a ocorrer, pois a árvore colorida, supostamente nascida da semente dada pelo moço, só brota depois que ele vai embora.  Aliás, o desaparecimento final do moço é tão estranho quanto o aparecimento inicial – estranheza comum reforçada pelo relato do “delirado varrido” José Kakende.  O encontro do moço com Nicolau ocorreu no dia em que foi levado à igreja.  Na saída, ele se compadeceu com o que viu:  “o cego debaixo do sol, e corrido de suor, a almas cristãs devia causar meditação o contraste de tanto padecer o calor do astro-rei aquele que nem as belezas da luz podia gozar” (p.101).  O moço, então, deu-lhe, à guisa de esmola, “rápida partícula, tirada da algibeira” (p.101).  Mas como não se tratava nem de moeda nem de “artigo de se comer, mas espécie de caroço de árvore” (p.102), o cego a guardou, “com irados ciúmes, e por diversos meses” (p.102).  Após a partida do moço, a semente é plantada, e nasce “um azulado pé de flor, da mais rara e inesperada: com entreaspecto de serem várias flores numa única, entremeadas de maneira impossível, num primor confuso” (p.102).  As cores causam enorme impressão, tanto que acerca delas ninguém concordou, “por desconhecidas no século” (p.102).  A árvore colorida foi um exemplar único:  “definhada, com pouco, e secada, sem produzir outras sementes nem mudas” (p.102). 
            No fim do conto, ocorre o desaparecimento do moço, que Kakende garante ter presenciado.  De acordo com ele, na noite que antecedeu ao “dia da venerada Santa Brígida” (p.104), os dois acenderam “de secreto, com formato, nove fogueiras” (p.104).  Em seguida, houve algo parecido com aquilo que o negro dizia ter visto na véspera do cataclismo:  “nuvem, chamas, ruídos, redondos, rodas, geringonça e entes. Com a primeira luz do sol, o moço se fora, tidas asas” (p.104).  Em resumo:  o conto narra a vinda e a partida misteriosas de alguém que, tanto no corpo como no espírito, não é um homem comum, e que, durante o período que viveu no Serro Frio, segundo os testemunhos, melhorou e tornou mais feliz a vida de todos. 

2. Análise das ambigüidades da narrativa

Retomemos nosso problema inicial:  será possível, neste conto, confirmar a adesão de Guimarães Rosa à religiosidade popular, que, para Alfredo Bosi, resulta do “fio unido de crenças”, por meio do qual o escritor e o povo compartilham de uma comum visão dos homens e do destino?  Graças a este fio, “os contos não correm sobre os trilhos de uma história de necessidades, mas relatam como, através de processos de suplência afetiva e simbólica, essas mesmas criaturas conhecerão a passagem para o reino da liberdade” (BOSI, 2003, p.36-37).  Eis aqui, sem dúvida, uma explicação do que ocorre em várias narrativas de Primeiras estórias, mas que, a nosso ver, não vale para “Um moço muito branco”.  Alguns leitores (bem menos argutos que Bosi) tomariam o conto como exemplo acabado do caráter místico-religioso que dizem ser típico da obra.  Pensamos, ao contrário, que a forma como a narrativa é construída desmistifica a religiosidade popular e afrouxa o “fio unido de crenças” que aproxima o autor e o povo mineiro.  A feição lendária dos sucessos de “Um moço muito branco” atenua, quase que por si mesma, a adesão completa do autor à matéria religiosa presente no texto.  Ver o fato religioso como lenda é, desde logo, desatar o “fio unido das crenças”.  A postura antropológica de Rosa, consubstanciada na voz narradora, aproxima-o da cultura popular (à qual adere por perpetuar-lhe a lenda), mas o afasta do misticismo religioso (ao qual não adere por esvaziar-lhe o mito).  Eis a mediação que encontramos em “Um moço muito branco”.  Precisamos ver como ela é representada ficcionalmente no conto.

2.1 O estatuto do narrador e as camadas do relato

Como vimos, “Um moço muito branco” é a narrativa dos prodígios ligados a um homem misterioso.  O substrato do conto é o misticismo católico popular, e o contexto em que os eventos têm lugar é o mundo religioso do interior mineiro, reconhecível desde logo pela datação temporal de alguns episódios.  O moço aparece em Serro Frio no dia de São Félix, e desaparece de lá no dia de Santa Brígida.  A conversão de Duarte Dias se dá no dia “da missa da Dedicação de Nossa das Neves e vigília da Transfiguração”.  Neste caso, destaca-se o simbolismo da data, que anuncia a modificação do homem “maligno”, que se torna “bondoso”.  As marcações históricas são dadas pelo calendário religioso de um meio em que todo dia é dia de santo, deixando entrever uma periodização não linear, mas circular, própria do tempo mítico, que é o tempo da repetição.  Além disso, outros dados culturais dignos de nota são as festas de São João e a marca topográfica que situa a Fazenda do Casco, de Hilário Cordeiro, “quase dentro da rua do Arraial do Oratório”.  No topo deste microcosmo encontramos a autoridade político-religiosa do Padre Bayão, bem como uma instância mais alta de poder no cônego Lessa Cadaval, da Sé de Mariana.  Não se deve esquecer que o mundo sertanejo de Rosa é, em grande medida, de feição ainda medieval.
A linguagem narrativa é ambígua não só na caracterização do protagonista, como veremos mais adiante, mas também na maneira como registra os seus supostos milagres. O primeiro sinal disto é a sequência dos episódios.  O conto é um relato de segunda mão, pois o narrador não foi testemunha dos eventos relatados.  Ele se vale da tradição oral, detentora das lembranças que compõem a memória comunitária transmitida de geração em geração.  Todavia, justamente na forma como o narrador reatualiza a tradição, ele se afasta dela, como notamos, por exemplo, quando afirma reproduzir aquilo que “ainda hoje se conta, mas transtornado incerto” (p.100).  Outro índice de ambivalência é a referência ao cataclismo, fenômeno natural cuja veracidade foi registrada “nas folhas da época e exarados nas Efemérides”.  Notamos, então,  que o texto promove um trânsito ambivalente entre o fenômeno natural (terremoto e enchente) e o aparecimento sobrenatural do moço muito branco.  Os eventos que se seguiram ao acidente são todos lendários; logo, pouco confiáveis. 
Estamos no terreno movediço da tradição oral, na qual tudo deve ser tomado na perspectiva do “transtornado incerto”.  A causa disto é a distância temporal entre o que ocorreu no século XIX e o presente da narrativa que reproduz, em segunda mão, as histórias do povo.  Aquilo que se passou não foi testemunhado pelo narrador, que nunca viu o moço muito branco.  Tudo vem sendo “narrado por filhos e netos dos que eram rapazes, quer ver que meninos, quando em boa hora o conheceram” (p.100).  Em suma:  no universo da lenda e dos fatos inverificáveis não há vestígio histórico algum, apenas lembranças vivas na memória popular.  O conto é o relato dos relatos.  A distância entre a voz narradora e a matéria narrada é preenchida não apenas pelos eventos narrados, como também pelas narrativas lendárias dos eventos.  Aquilo que o narrador conta não é matéria tirada de sua própria experiência, mas sim fragmentos de um repertório coletivo – campo do “transtornado incerto” – que ele conhece de perto, mas ao qual não adere completamente.  A repetição não é uma reiteração – e sim uma revisão.  Narrar os prodígios, mostrando como eles são narrados pelo povo, é distanciar-se deles.  O narrador nunca confunde o próprio com o alheio.
Repetindo:  o espaço ficcional do conto é o do imaginário coletivo, em relação ao qual o narrador assume uma atitude dupla:  incorpora em sua fala as histórias do povo, sem, contudo, apresentá-las como suas.  Com isso, mantém certa distância da matéria narrada, perceptível, por exemplo, na mudança de registro que separa duas ordens de acontecimentos:  1) o cataclismo natural registrado em documentação escrita (“nas folhas da época”); e 2) o aparecimento sobrenatural do moço, que não foi documentado, mas vem sendo relatado, de geração em geração, pelos filhos ou netos de quem era criança quando aquilo aconteceu.  Os “fatos de pavoroso suceder”, que ocorreram na noite de 11 de novembro de 1872 e foram documentados, são o “fenômeno luminoso”, o terremoto e a enchente.  Eles não incluem a chegada do moço, uma semana depois.  Em suma:  o relato diferencia história e lenda: a primeira é reproduzida no 1o parágrafo; a segunda, no restante do conto.  De um lado, há a matéria histórica (documentação escrita), no qual se localiza o fato natural. De outro, a matéria lendária da tradição oral (terreno do “transtornado incerto”), na qual se localizam os prodígios que envolvem o moço muito branco.  A narrativa delimita estes dois registros culturais (o histórico e o lendário), e o narrador transita entre eles, com facilidade, reconhecendo-lhes os limites.
Assim sendo, se existe aqui alguma mediação entre o narrador e o mundo sertanejo das personagens, ela não se faz em termos de uma adesão completa à cultura religiosa popular.  O narrador fica aquém da lenda, o que não significa que finque os pés no terreno da história (não é um historiador), e sim um pouco além ou ao lado dele.  O conto nasce de um olhar antropológico.  A reprodução da lenda desmistifica o mito:  os prodígios ficam no plano do conta-se que.  O narrador não é um observador ou uma testemunha daquilo que narra, mas um ouvinte daquilo que se conta.  Ele é uma voz que reproduz as vozes populares, em relação às quais mantém certa distância, pois as reconhece como transmissoras e recriadoras daquilo que compõe o “transtornado incerto”, isto é, o patrimônio das histórias orais, e não da verdade histórica.  Ao delimitar a fronteira entre os campos histórico e lendário, a voz narradora sinaliza o seu distanciamento em relação àquilo que narra.  Esta postura vai ainda mais longe.
  A circunscrição cuidadosa dos terrenos, que separa, de um lado, o cataclismo, e, de outro, a chegada do moço e os eventos que se seguiram, é completada e reforçada pela delimitação de um terceiro nível de verossimilhança.  Trata-se do espaço da loucura, ocupado pelas “desorbitadas sandices” de José Kakende, nas quais o “fenômeno luminoso” (natural) se torna um “avoante trem”.  A mente deste “delirado varrido” extrapola o limite do sobrenatural.  O registro dos fatos comporta, portanto, três níveis:  1) a história escrita, registrada nas “folhas da época”; 2) as versões orais, nas quais tudo é “sempre mal contado”, e varia “segundo diversa tradição”; 3) as “despauteradas falas” de Kakende, pronunciando “advertências e desorbitadas sandices”.  O intervalo aberto por esta hierarquização tripartite é índice da distância que Guimarães Rosa toma da cultura sertaneja.  No conto, este distanciamento percebido na forma de construção da narrativa, na qual o estatuto do narrador é decisivo e ocupa lugar central. 
Fora isto, em “Um moço muito branco”, a cronologia não coincide com a sequencia da narração.  Basta ver o aparecimento da árvore colorida, suposto fruto da germinação da semente dada ao cego Nicolau. A bela descrição deste prodígio situa-se na metade do conto, ainda que, em termos cronológicos, ele tenha se dado após “o remate dos fatos” (p.102), ou seja, depois da partida misteriosa do moço, que provoca um grande abalo emocional na população.  Não somente todos “se deploraram” (p.104), como aqueles que mais de perto conviveram com ele ficaram particularmente sensibilizados:  “Duarte Dias, de dó, veio a falecer; mas a filha, a moça Viviana, conservou sua alegria.  José Kakende conversou muito com o cego” (p.104).  Portanto, é sob um forte impacto emocional que a população decide plantar o caroço do qual brota o efêmero e “azulado pé de flor”.  A árvore é uma aparição.  Como veremos, não é por acaso que ela ocorreu após a partida do moço, assim como não é ocasional que este tenha chegado ao Serro Frio após a catástrofe natural.  Pontuemos, por enquanto, estes dois recursos retóricos, ambos situados na camada significante do texto:  1) o relato no plano do conta-se que (separação de história e lenda); 2) a diferença entre ordem cronológica e registro ficcional.  A eles se soma um terceiro recurso, ligado à camada dos significados, que explicita mais claramente o caráter ambíguo dos milagres. 

 

2.2 Desvendando os prodígios
 
Como vimos, as passagens tidas como milagrosas são quatro:  a prosperidade de Hilário Cordeiro; a modificação do comportamento de Viviana; a conversão de Duarte Dias, seguida da descoberta do tesouro; a árvore colorida.  Acontece que, em nenhum destes casos, tal como articulados pela narrativa, reconhecemos autênticos milagres.
  A prosperidade de Hilário Cordeiro coincide com o período de reconstrução de Serro Frio após o cataclismo.  Trata-se de uma fase em que, ao bondoso fazendeiro, tudo “passou a dar sorte, quer na saúde e paz, em sua casa, seja no assaz prosperar dos negócios, cabedais e haveres” (p.102).  Ainda que o moço não o ajude diretamente nos trabalhos rudes, ou talvez justamente por isso, o povo julga que a presença dele na Fazenda do Casco é a causa efetiva do sucesso do proprietário.  Entretanto, não é incorreto pensar que, com o passar do tempo, as atividades agrícolas voltassem a tomar o rumo normal.  Esta visão, que afasta o milagre da prosperidade material, é reforçada quando consideramos que tudo se dá em um contexto fortemente católico.  O sertão rosiano é um mundo de religiosidade medieval.  Em conseqüência disso, não se deve associar prosperidade material e intervenção divina, possível apenas dentro de um quadro religioso protestante.  O catolicismo não vincula intervenção divina com “prosperar dos negócios, cabedais e haveres”.  Na verdade, tampouco a teologia protestante apregoaria imediatamente como milagrosa a obtenção de lucro material, pois, como disse Kierkegaard, o cristianismo “ensina que o dinheiro, em si, cheira mal” (2005, p.362).  Logo, a sorte de Hilário Cordeiro pôde decorrer de fatores meramente circunstanciais.
Por seu turno, a bela cena do encontro do moço com Viviana, no qual ela recupera a sua alegria, aparentemente registra um fato milagroso. Este episódio, aliás, é um dos que mais explicita o cristocentrismo do conto, por isso vamos retomá-lo mais adiante.  Por enquanto, apenas perguntamos se a modificação da moça não estaria ligada a outras motivações.  Difícil devia ser a vida desta jovem que, ao que consta, vive apenas na companhia do pai, “homem de gênio forte”, “maligno e injusto”, o qual, “para manifestar o amor, (...) não dispunha mais que dos arrebatados meios e modos de violência”.  A causa da tristeza de Viviana, incomum em uma moça tão bonita, pode residir na opressão paterna.  O moço de muitas “delicadezas” talvez seja o primeiro homem que se aproximou dela com afeto.  Como veremos, a causa da modificação de Viviana parece estar ligada a motivações erótico-afetivas, e não propriamente a vivências religiosas.
O terceiro milagre é, sem dúvida, aquele que mais espanta a população do Serro Frio:  a modificação de Duarte Dias, depois que ele viu despertar na filha “um enfim de alegria”.  Os “lances de estupefacção” a que todos assistem testemunham a conversão, à qual se segue o achamento do tesouro.  Trata-se, então, de um duplo episódio, ou de apenas um único, mas com dupla face:  a modificação definitiva do rude homem, e a descoberta da riqueza enterrada em suas terras.  Nota-se que a conversão de Duarte Dias, que despertou nele “a fortíssima estima de afeição” pelo moço a quem, “já de abinício”, rejeitara, foi motivada pela recuperação de Viviana.  O pai reconhece no moço o agente da transformação da filha.  O despertar da sensibilidade é metaforizado no desenterrar do tesouro.  A riqueza enterrada na alma é finalmente exteriorizada.  A fortuna material não tem importância alguma para Duarte, mesmo ele tendo pensado que “ia virar riquíssimo”.  Tanto é assim que morreu “de dó” quando o moço foi embora.  Como é típico de um convertido, altera-se a sua tábua de valores:  pouco vale a “grupiara de diamantes” ou o “panelão de dinheiro”.  Vale repetir:  o catolicismo não vê a prosperidade material como signo de benesse divina.  Por isso, faz sentido ver no tesouro uma metáfora da modificação de um homem “maligno e injusto” em “sucinto, virtuoso e bondoso”.  O moço ajuda Duarte Dias a desenterrar a bondade de dentro de si.  Eis uma boa ilustração daquilo que Kierkegaard ensina:  “há um tesouro que os ladrões (e portanto também a inveja) não são capazes de roubar” (2005, p. 206).
O moço muito branco faz aflorar as sensibilidades individuais, e pacifica as dores coletivas causadas pelo cataclismo.  Ele traz a chuva até aos corações mais áridos.  Apesar da força dramática da conversão de Duarte Dias, o teor milagroso das ações atribuídas ao moço é relativizado quando notamos que, para que elas pudessem efetivamente configurar, não apenas prodígios, mas autênticos milagres, seria necessária a presença daquilo que, por definição, caracteriza um milagre:  a cura física.  Mesmo tomando o caso de Viviana como uma espécie de cura da depressão, no mundo medieval rosiano os milagres necessitam de uma configuração mais explícita.  Não faltaria, inclusive, uma personagem destinada a receber tal graça:  o cego “pedidor”, que tanto sensibilizou o moço.  Mas Nicolau não é curado da cegueira.  A inexistência de cura física enfraquece a feição o milagrosa dos eventos. 
Como vemos, aos dois procedimentos retóricos formais (o relato no plano do conta-se que, e a diferença entre ordem cronológica e registro ficcional) soma-se um terceiro recurso ligado à ambiguidade dos prodígios.  Assim sendo, torna-se ainda mais nítida a distância que o narrador toma daquilo que narra.  Contam-se prodígios que nem sequer parecem sê-lo.  Mais:  contam-se lendas, esvazia-se o mito.  Uma mediação estabelece os limites que o narrador traça entre o natural (o cataclismo), o sobrenatural (os milagres) e a loucura (as “desorbitadas sandices” de Kakende).  A delimitação de terrenos na articulação narrativa tem como sinais mais visíveis as fronteiras entre a história (registro nas “folhas da época”), a lenda (o “transtornado incerto” da memória oral), e as “advertências” de um “delirado varrido”.  Todavia, ela também se faz de modo implícito nos sentidos ambíguos suscitados pela própria articulação formal.  Basta ver como nos episódios de Hilário Cordeiro, Viviana e Duarte Dias é possível encontrar explicações de ordem natural para aquilo a que todos atribuem uma causa sobrenatural, sem dizer que, no conto, a loucura de Kakende não possui cunho visionário.
Por fim, entre os dois eventos que compõem o episódio do cego Nicolau, notamos tanto uma causalidade natural, que faz a árvore brotar da semente, como uma vinculação sobrenatural entre esta “espécie de caroço de árvore” e o aparecimento do “azulado pé de flor”.  O grande apelo imagético e o acentuado cromatismo da cena só é comparável às descrições da luminosa brancura do moço “claro como o olho do sol”.  Talvez por isso, a força visual do episódio obscurece um pouco a presença de uma sobrenaturalidade naquilo que todos vêem como algo natural. 
Nesta passagem do texto, podemos diferenciar duas camadas de significação.  A primeira está ligada à aparição da árvore, que é prodigiosa por ser bela (e não por ser frutífera ou utilitária).  O “azulado de flor” é para ser visto.  O “entreaspecto de serem várias flores numa única” é objeto de contemplação visual.  A segunda camada, por seu turno, diz respeito à percepção que o povo tem dessa beleza.  No primeiro caso, seria possível desvendar uma insuspeita crueldade no gesto do moço muito branco, pois o cego Nicolau, pretenso beneficiário do milagre, não tem olhos para gozar a dádiva que reside, exclusivamente, na visão da árvore colorida.  Além de não poder vê-la, saber pelos outros que ela desabrochou tornaria ainda mais dolorida a sua triste condição.  O gesto do moço revelar-se-ia tão cruel quanto oferecer música a um surdo...  Ora, sabemos como ele se compadeceu do cego, ao olhá-lo “sem medida e entregadamente”.  O gesto de entregar-lhe, não alguma “estúrdia casta de moeda”, e sim um caroço não comestível, é pleno de misericórdia, a qual, como também ensina Kierkegaard, não tem nenhuma relação com o dinheiro:  pode-se “ser misericordioso sem possuir a mínima coisa para dar” (2005, p.357).  Concluímos, então, que inexiste uma vinculação direta entre o gesto de dar a semente a Nicolau e a aparição futura da árvore colorida.  No mínimo, à causalidade natural se soma uma vinculação de outra ordem, o que nos leva a refletir acerca do significado do “azulado pé de flor”.
A segunda camada do episódio, quiçá mais ambígua que a primeira, permite supor que tudo não tenha passado de autosugestão coletiva.  A beleza da árvore parece não estar na árvore, mas nos olhos daqueles que vêem nela aquilo que o desejo os leva a ver.  Neste sentido, a planta não nasceu da semente dada a Nicolau.  Não existe uma causalidade natural e nem mesmo uma vinculação sobrenatural entre os dois elementos (“caroço” e “pé de flor”) – mas sim a projeção imaginária de um povo que anseia por algum vestígio daquele que partiu, e que todos viam como um salvador.  A árvore colorida não brota da terra, mas dos corações. 
Concluindo:  se a árvore colorida é uma ilusão dos homens que, após a partida do moço, ficam tão desconcertados, a ponto de duvidarem “dos ares e montes; da solidez da terra”, o episódio não é sobrenatural, e sim manifestação social de uma consciência mítica.  É o que identificamos nos demais episódios lendários do conto.  Em suma:  a forma da narrativa desvela a origem imaginativa dos prodígios.  É isto que, estando presente em todas as cenas de “Um moço muito branco”, fica mais nítido na relação entre os dois momentos que perfazem o episódio do cego Nicolau.  A articulação da narrativa deixa entrever que os eventos prodigiosos resultam de uma elaboração imaginária coletiva (calcada no mito) da qual o narrador não compartilha.


3. O mito crístico em “Um moço muito branco”

O moço muito branco e o “azulado pé de flor” são criações do imaginário popular.  Nenhum dos dois tem existência “real”, apenas simbólica.  Eles não são o que são, e sim o que o povo faz com que sejam.  A árvore, inclusive, é um duplo do moço.  Ela é o outro do mesmo, cuja ausência preenche e compensa.  Fora isso, a forma pela qual Guimarães Rosa elaborou a narrativa permite reconhecer as motivações psicológicas responsáveis pela configuração do protagonista e dos prodígios a ele atribuídos.  Repetindo:  o substrato do conto é o mito – tratado como mito.
Vimos que um dos recursos retóricos que sinalizam a distância entre o narrador e matéria narrada é a distinção quase hierárquica entre a história documental (exarada “nas Efemérides”), as lendas (o “transtornado incerto”) e os delírios de José Kakende (“desorbitadas sandices).  No conjunto da obra, estes elementos, somados à descrição do protagonista e à ambiguidade dos prodígios, diferenciam dois níveis de significação:  um ligada à matéria narrada; o outro, à voz narradora.  O primeiro desvela a consciência mítica do povo de Serro Frio, a qual, como escreveu Georges Gusdorf, reintegra o homem à natureza, visto que o mito “intervém como um protótipo de equilibração do universo, como um formulário de reintegração” (1979, p.24).  A chegada do moço muito branco tem claramente um papel restruturador, tanto na vida coletiva do povoado, como em algumas existências individuais.  Já o segundo nível de sentido mostra como a voz narradora, graças a alguns recursos retóricos (hierarquia das verossimilhanças, embaralhamento cronológico, metáforas), distancia-se criticamente da matéria narrada.  É neste nível que o narrador pinta o retrato do protagonista, tal como visto pela consciência mítica, retrato que é, nada mais nada menos, o Jesus ressuscitado.  O conto é uma revisitação do mito salvífico.
Como tudo ocorre num contexto católico de viés ainda medieval, aquilo que o povo do Serro Frio afirma ter assistido é algo semelhante ao retorno de Jesus à Terra, incorporado em um moço cuja caracterização detalhada converge para dois traços principais, um físico outro comportamental.  O primeiro é a impressionante brancura (“Tão branco”) que não identifica uma etnia (ele “fazia para si outra raça”).  Trata-se de algo sobrenatural:  “um branco leve, semidourado de luz:  figurando ter por dentro da pele uma segunda claridade”.  Ele é “claro como olho do sol”.  Por outro lado, Padre Bayão desvela a alma do moço “plácido”:  “Comparados com ele, nós todos, comuns, temos os semblantes duros e o aspecto de má fadiga constante”.  Porém, a brancura incomum e a placidez, por si sós, não são suficientes para que o aproximemos de Cristo.  De qualquer modo, em função das determinantes contextuais, ele só pode ser associado às imagens do universo católico.  Assim, por exemplo, é possível ver nele uma figura angélica, especialmente se dermos algum crédito a Kakende, que garante tê-lo visto partir – “tidas asas” – na companhia de outros “entes”.  Ele veio do céu e voltou para lá.  Ele possui ainda outros traços de angelismo:  a “brancura da tez e delicadezas mais”, a “intenção sonhosa”, o “espírito de solidão”, um “certo cansaço do ar”, os pendores intelectuais (“ladino, cuidoso e acordado”).  Ele “andava muito na lua”, e tinha o hábito de “olhar sempre para cima” – autêntico “espiador de estrelas”.  Este perfil, contudo, acaba ganhando, no dramatismo do enredo, um desenho mais crístico que angélico.  
Estudando a visão que o pensamento medieval tinha dos anjos, Michel Onfray repara que tais “criaturas celestes foram decretadas (...) de uma pura espiritualidade e providas da mais arguta inteligência” (1999, p.168).  Os anjos, ainda que possam assumir alguma materialidade quando precisam entrar em contato com os homens, jamais encarnam.  Isto leva Onfray a constatar que, “sem nunca ser sexuado, o anjo é a cristalização imaginária das fantasias humanas de imaterialidade” (1999, p.170).  Ele é fruto de uma elaboração ascética que o transforma no nosso oposto:  “O anjo aparece (...) como o duplo em contra-relevo do homem.  O que um é o outro não é” (1999, p.174).
Nos pendores intelectuais do moço muito branco, apreciador de “funções de engenho ferramentas e máquinas”, é fácil reconhecer uma “arguta inteligência” angélica.  Entretanto, dificilmente ele pode dito um ser de “pura espiritualidade”, marcado por uma total ausência de sexualidade.  A resolução dramática da narrativa não permite dizer que o protagonista seja tão assexuado como os seres angélicos.  Basta ver o encontro dele com Viviana.  O erotismo da cena dá ao moço uma feição humana, mostrando que ele é um ser encarnado, não um puro espírito.  O gesto de tocar o seio é sintomático de alguma sexualidade.  Em síntese:  é pela encarnação que o moço muito branco se assemelha mais a Cristo que aos anjos, que nunca se materializam de todo. 
Fora isso, existem pelo menos mais dois traços cristocêntricos no protagonista, e ambos têm raízes na imagem, construída pela Idade Média, de Jesus como um moço muito branco.  Ao primeiro já nos referimos:  as “delicadezas”, visíveis, por exemplo, nas “mãos não calejadas, alvas e finas, de homem de palácio”.  O segundo é que ele não ri, apenas sorri “com o rosto, senão com os olhos”:  “nunca se lhe viram os dentes”.  É sabido o quanto eram acirradas as polêmicas teológicas medievais relativas à questão do riso.  A maioria dos teólogos optava por dizer que Jesus não ria.  O riso não combina com Filho de Deus (tampouco a alegria), tanto que não existem imagens de Cristo rindo, mas apenas retratos de dor e sofrimento, ou serenas pinturas em que ele esboça um leve sorriso, “com o rosto, senão com os olhos”.  O riso e o cômico são ligados ao baixo corporal, ao qual Cristo, mesmo tendo encarnado, não desce.
Menos conhecido é outro dilema que também preocupava os religiosos na Idade Média.  A polêmica ligada ao riso não passa, na verdade, de um sintoma do grave problema teológico que é o da encarnação de Jesus Cristo.  Como Deus pôde encarnar na figura de seu Filho, se a materialidade é impura?  Os anjos são eternamente puros porque jamais encarnam.  Esta visão ascética do mundo estabelece alguns limites para a encarnação.  O mais famoso deles é certamente a interdição do riso a Cristo, de quem nunca vimos os dentes.  Contudo, o interdito mais extremo decorre da constatação de que Jesus comia e bebia:  houve as bodas de Caná, houve a multiplicação de pães e peixes, houve a Santa Ceia.  A evidência destes fatos leva à admissão de que Cristo coma e beba.  Porém, é inadmissível que ele possa defecar.  “Os gnósticos atribuíam a Cristo uma existência sem defecação” (ONFRAY, 1999, p.155).  Jesus comia e bebia – mas não defecava.  O Filho de Deus não se aproxima das as fezes, que são a prova cabal da conspurcação da matéria.  Em suma:  mesmo encarnado, o corpo de Cristo não é como o nosso.  Estamos distantes da época em que um místico pode dizer, como Adélia Prado, no poema “O aproveitamento da matéria”:  “Só quem olha sem asco as próprias fezes, / só este é rei. (...) Agostinho, o santo, já disse:  Vim de um oco sangrento, / é entre fezes e urina / que nasci”.
Estes versos, aliás, são índice de que, mesmo aqueles que conseguem assumir sem concessões a corporeidade, como Santo Agostinho, não reconhecem no corpo de Cristo um estatuto totalmente humano.  Prova disso é uma das teses mais célebres de A Cidade de Deus, que diferencia o corpo carnal, que é do homem após a Queda, e o corpo espiritual, que Adão e Eva conheceram no Paraíso e os que forem salvos voltarão a assumir após o Juízo Final.  A grande diferença entre o corpo carnal e o espiritual é que o primeiro, sujeito à corrupção e à morte, é movido pela libido, que sempre o subjuga.  Não por acaso, a causa do sofrimento do homem é a desobediência do corpo.  A condição humana se resume aos combates que a carne sustenta contra o espírito e o espírito contra a carne.  Os homens não desejam porque querem – eles desejam.  Nunca sou eu que quero:  minha libido, que não controlo, é que me faz querer. (Ela é que tornava Álvaro de Campos ridículo às criadas de hotel...)  Por sua vez, o corpo espiritual daqueles forem salvos, não apenas será incorrupto e imortal, mas ficará livre da libido – esta cruz da qual apenas a morte nos liberta.  Este corpo será obediente à alma, assim como o homem será obediente a Deus.  Eis a formulação agostiniana:  “A carne espiritual estará submetida ao espírito, mas será carne, não espírito, assim como o espírito carnal esteve submetido à carne, sendo espírito, não carne” (2001, p.566).  Ora, o corpo crístico, mesmo encarnado, não é carnal, e sim espiritual.
Ainda nas reflexões de Santo Agostinho, acerca da ressurreição dos corpos, encontramos um dado particularmente útil para uma leitura que vê, no conto de Guimarães Rosa, uma revisitação do mito salvífico.  Nas páginas finais de A cidade de Deus, o teólogo se permite imaginar como serão os seres humanos e o mundo após o Juízo.  Os homens viverão uma vida carnal.  Não serão puros espíritos.  Todavia, o corpo será modificado:  não será mais escravo da libido e estará isento da corrupção carnal.  A carne voltará a ser obediente à alma porque a libido (que foi conseqüência, e não causa do pecado original) não mais existirá.  Os salvos apreciarão a beleza dos corpos sem concupiscência alguma.  O homem, ao olhar para a mulher, e ela para ele, não serão aguilhoados pelo desejo, apenas apreciarão os seus corpos belos e perfeitos.  Santo Agostinho acredita que os aleijados e deformados serão restituídos à sua perfeição, e todos os corpos terão a formosura, que resulta da harmonia das partes, “com certa suavidade de cor” (2001, p.564) – a mesma que encontramos no moço muito branco, rapaz formoso, de “distintas formas”. 
Lemos no final de A cidade de Deus:  “É de crer que Cristo haja escondido aos olhos dos discípulos a claridade de seu corpo, quando lhes apareceu depois da ressurreição”, porque os “débeis olhos humanos, que deviam fixar-se em Cristo ressuscitado, não o suportariam” (AGOSTINHO, 2001, p.564).   Em outros termos:  Jesus ressuscitado era “claro como o olho do sol”.  Todos os homens que forem salvos também adquirirão esta feição luminosa:  “Qual não será a suavidade da cor onde os justos resplandecerão como o Sol no reino de seu Pai?” (AGOSTINHO, 2001, p.564).  Ainda que, ao criticar o ascetismo religioso, Michel Onfray diga que o corpo glorioso é “uma antimatéria, uma carne desencarnada, uma contradição nos termos” (1999, p.106), o que importa para nós é o sentido simbólico da figura de Cristo ressuscitado, na qual também reconhecemos um “branco leve, semidourado de luz”.  Como podemos ver, as imagens de Jesus após a ressurreição e a do moço muito branco são as mesmas:  um é o decalque do outro.  Todavia, ainda que, enquanto versão do mito crístico, o moço seja o Cristo do “pós-tempo de calamidade”, a trajetória do personagem pelo Serro Frio confunde e sobrepõe duas imagens:  Jesus antes e depois da ressurreição.  O episódio de Viviana, quando desabrocha no moço uma sexualidade que os anjos não conhecem, é uma versão de algo vivido por Jesus em sua existência terrena. 
Neste ponto, vale a pena aproximarmos o texto de Rosa de outras narrativas cristocêntricas.  Um bom exemplo delas é A demanda do Santo Graal, na qual, como mostrou Lênia Mongelli, “o trânsito de Galaaz copia a ressurreição de Cristo”, confirmando a “essência messiânica da novela” (1995, p.70).  O percurso do moço muito branco também comporta um sentido messiânico, ainda que não copie a ressurreição de Cristo (à qual Gallaz chega), e sim o próprio Cristo ressuscitado.  Apesar disso, a passagem do protagonista por Serro Frio imita, como dissemos, alguns passos da vida terrena de Jesus, o que nos permite aproximarmos o conto e novela de cavalaria.  Lênia Mongelli reconhece, no cavaleiro vencedor da demanda, uma  “intransitividade de ser assexuado”.  Isto não esvazia, porém, o erotismo do encontro de Galaaz com a filha do Rei Brutus, quando ela ameaça se suicidar caso ele não se deitasse com ela.  No último instante, o jovem decide ceder aos apelos da moça, mesmo ao preço de perder a própria virgindade, da qual é tão zeloso.  Nesta cena, assistimos a um autêntico sacrifício, pois Galaaz decide entregar-se à donzela.  Nota-se que ele não deseja fazer sexo com ela, e, muito menos (como vários cavaleiros fazem com as mulheres), sexo nela.  No primeiro caso, haveria compartilhamento do desejo; no segundo, violência pura e simples.  O casto cavaleiro decide, em um momento extremo, fazer sexo para a filha do Rei, ou seja, sacrificar-se.
Também foi Lênia Mongelli quem, com razão, viu neste episódio da Demanda um significado idêntico ao da tentação de Cristo no deserto.  Todavia, para nós, leitores de hoje, ele se iguala à passagem em que Jesus socorre Madalena, encontro no qual a sensibilidade pós-romântica e as versões modernas dos evangelhos tanto gostam de decifrar vestígios de amor e erotismo (vide José Saramago).  O encontro do moço com Viviana é uma versão deste episódio, indicador de uma sexualidade próxima da que será conhecida pelos que forem salvos do Juízo, na qual reconhecemos algo como um desejo sem libido.  Tanto Jesus, como Galaaz e o moço muito branco, na companhia feminina, esboçam gestos plenos de ternura, nos quais desabrocha uma paradoxal libido angélica, espécie de sexualidade branca da qual a metáfora de Caetano Veloso é a melhor imagem:  “Menino Deus / Quando a flor do teu sexo / Abrir as pétalas para o universo...”.  Cristo, o cavaleiro virgem e o moço claro como o olho do sol são três homens-anjos cujo sexo é uma flor.

Conclusão

O caráter cristocêntrico do conto de Guimarães Rosa é incontestável.  Contudo, talvez não seja fácil perceber o grau de formulação paródica da narrativa (repetição com diferença), que promove uma revisão do mito.  Esta reside, como vimos, em abordá-lo enquanto mito, por meio do distanciamento que a voz narradora mantém daquilo que narra.  A consequência deste procedimento é uma dissociação entre o autor e o conteúdo religioso, do qual ele se aproximaria aparentemente.  Sendo assim, cremos que esta narrativa rosiana não faz permite reconhecer uma mediação religiosa que, por identificação e empatia, vincula o escritor ao seu mundo mineiro.  É claro que, em outro extremo, inexiste no texto aquela mediação ideológica que, como Bosi mostrou, distancia Graciliano Ramos do homem sertanejo, visto pelo o autor com um “olhar crítico, asceticamente despregado da sua matéria-prima” (2003, p.25), que desfaz a empatia entre o personagem, ainda que mantenha uma simpatia intelectual.
Em “Um moço muito branco”, percebemos algo mais ambíguo:  uma mediação antropológica, que afasta criticamente Guimarães Rosa das crenças e dos mitos populares, ainda que, por outro, permita uma aproximação afetiva das narrativas e da linguagem do povo.  Esta mediação de dupla face, que distancia e aproxima, permite ao escritor construir uma verdadeira arqueologia, na qual ele expõe como os mitos que povoam o inconsciente coletivo ganham vida e significado em alguns momentos da história.  O distanciamento crítico não nasce de um olhar ascético, e sim amoroso, bem como a simpatia entre o autor e a matéria sertaneja não é de ordem intelectual, e sim afetiva.  Entretanto, isto não liga, pelo “fio unido das crenças”, Guimarães Rosa ao povo.  O narrador vê os fatos de fora.  Tal objetividade permite desvendar as motivações interiores dos eventos, saídas de dentro do coração e da mente do povo, lugar onde moram os mitos.  Por outro lado, esta tarefa só se realiza graças a uma proximidade afetiva com a cultura popular, o que não significa compartilhamento de crenças.  É este projeto de dupla face que ganha corpo e sentido nas ambiguidades geradas pela forma da narrativa.
Aprendemos com Georges Gusdorf que o mito não é uma narração de eventos lendários que contém uma doutrina, e sim uma estrutura justificadora da existência, que atua como um princípio de conservação para o grupo humano.  Fora isso, o mito nos envia a um mundo transcendente, por ser “escatológico por essência” (1979, p.266).  O conto rosiano toca no mais poderoso dos mitos escatológicos, que é o do fim dos tempos, consubstanciado na figura de Cristo ressuscitado que virá restabelecer a ordem do mundo.  Foi este mito que se reatualizou no Serro Frio após o cataclismo.  O moço muito branco reorganizou tanto o mundo exterior da coletividade como a interioridade de alguns indivíduos.  Guimarães Rosa mostra como se deu esta mitificação – e, pela forma como o faz, afasta-se do mito.  A narrativa é a exposição simbólica das motivações míticas que deram origem à lenda.  Acreditamos que esta postura antropológica (verdadeira arqueologia da cultura popular) é que deu origens a vários outros contos de Primeiras estórias.  


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1.  Doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Professor das Faculdades Integradas Teresa d’Ávila (Lorena-SP).
2.  João Guimarães Rosa,  Primeiras estórias,  12ed.,  Rio de Janeiro, José Olympio, 1981. p.99. Todas as citações do texto foram retiradas desta edição. por isso citaremos apenas as páginas.